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Jamaica está perto de Copa do Mundo quase 30 anos após feito de técnico brasileiro

A Jamaica está a um passo da Copa do Mundo de 2026, e ninguém acompanha essa campanha com mais emoção do que René Simões. O técnico brasileiro levou os Reggae Boyz à sua primeira participação em um Mundial, há quase 30 anos, na França, e mantém laços afetivos com o país caribenho.

Com apenas dois jogos para o fim das Eliminatórias da Concacaf, a Jamaica lidera o Grupo B. A seleção pode carimbar seu passaporte já na quinta-feira (13), se vencer Trinidad e Tobago fora de casa, em jogo que começa às 21h (de Brasília), e Curaçao perder para a Bermudas. No último jogo, os jamaicanos recebem Curaçao na terça-feira (18), às 22h.

René Simões assumiu a seleção da Jamaica em 1994 e permaneceu até 2000. Antes de desembarcar em solo jamaicano, o treinador viveu duas situações que ele chama de “jesuscidência”, fundamentais para que o projeto acontecesse. A primeira foi sua demissão do Al-Arabi, do Catar, mesmo após uma sequência de títulos. A segunda ocorreu logo após seu retorno ao Brasil.

“Na época, o Brasil queria entrar no Conselho de Segurança da ONU e precisava dos votos do Caribe. Ofereceu, então, projetos de cooperação técnica em diversas áreas. O presidente da Federação Jamaicana pediu ao primeiro-ministro que solicitasse ao Brasil um treinador. O Itamaraty contatou o João Havelange (presidente da Fifa na época), que enviou a carta para o Manuel Espezin Neto, presidente da Academia Brasileira de Futebol, onde eu dava aulas. Eles indicaram meu nome”, contou René, em entrevista ao 365Scores.

Mesmo assim, ele hesitou em aceitar o convite, já que conhecia de perto as dificuldades estruturais do futebol local, após uma visita anterior com a seleção brasileira sub-20, em 1989. Mas o presidente da federação e seu assistente foram até o Rio de Janeiro para convencê-lo.

René decidiu, então, impor condições que julgava impossíveis de serem atendidas: um contrato longo, bom salário e melhorias estruturais. Para sua surpresa, tudo foi aceito. Ao chegar, porém, encontrou um cenário precário.

“Quando cheguei, a federação funcionava num ginásio onde cada esporte tinha uma salinha. Coloquei o pé e disse: ‘Aqui eu não entro’. Precisava de um espaço digno para receber empresários e personalidades. Eles arrumaram um escritório de primeiro mundo. No primeiro treino, parecia um time de refugiados: cada jogador com uma camisa diferente, quase sem bolas e num campo horrível”, relembra.

“No final da atividade, eu disse: ‘amanhã eu quero 30 bolas, quero todos uniformizados e eu quero um campo de futebol'”, completou.

A situação do futebol jamaicano e a reviravolta

Em 1994, os jogadores jamaicanos não levavam a carreira de atleta a sério. O futebol era amador, e as partidas aconteciam em campos escolares. Segundo René Simões, muitos de seus atletas eram “carregadores de mala, motoristas de táxi, barmans, treinavam duas ou três vezes por semana nos clubes; alguns nem estudavam nem trabalhavam”.

Sem apoio financeiro do governo, o técnico teve uma ideia que mudaria o destino da seleção. Nasceu o projeto “Adopt a Player” (“Adote um jogador”, em português), que mobilizou o setor privado e a sociedade local para apoiar financeiramente e estruturalmente o time nacional.

Empresários, políticos e personalidades jamaicanas “adotavam” jogadores da seleção, custeando despesas como alimentação, transporte e material esportivo. Em troca, ganhavam visibilidade e reconhecimento público, fortalecendo o vínculo entre o time e a população.

“Quando eu descobri que eu não ia ter dinheiro com eles, eu tinha duas possibilidades: ou voltava para casa ou enfrentava (o problema). Resolvi enfrentar. Arrumei duas empresas que eu conhecia os donos, eles me deram mil dólares americanos, que eram 165 mil dólares jamaicanos, muito dinheiro naquela época. Adotei dois jogadores e lancei o projeto para o país inteiro. O negócio fez tanto sucesso que rapidamente eu tinha adotado todo mundo.

Com o sucesso do projeto, o próximo passo foi conseguir uma companhia aérea para custear as viagens da equipe e dar experiência internacional aos atletas. O primeiro destino dos Reggae Boyz foi o Brasil.

“Eu viajei com o primeiro time a 28 países. O sub-23, o sub-20, o sub-17, o feminino… todo mundo viajava porque era tranquilo, tinha muito dinheiro para gastar em passagens. Então, eles (os jogadores) começaram a entender que isso era profissionalismo. Assinamos com empresa de material esportivo, e eles começaram a ver tudo diferente. Tinha camisa, short, meião, bicho”, ressaltou.

René Simões
René Simões durante a Copa do Mundo de 1998 – Foto: Toshifumi Kitamura/AFP via Getty Images

Para René, os jogadores jamaicanos “eram 11 focas dentro de campo”: sabiam equilibrar a bola individualmente, mas não conseguiam trocar passes ou jogar em equipe. Ele associava isso a uma herança social e histórica do país, reflexo do período escravocrata, que gerou falta de confiança coletiva.

O técnico, então, passou a reforçar o trabalho em equipe, a conscientização contra o racismo e o protagonismo dos atletas. Além disso, definiu uma meta ousada:

“Eu perdi de 8 a 0, 9 a 0, 7 a 0 (no Brasil). A gente dava 120 passes por jogo, com 70% de passes errados. Nós colocamos uma meta, que era fazer 600 passes num jogo com 80% de passes certos, que era o modelo da seleção brasileira em 94. E nós chegamos a isso”.

O caminho da Jamaica até a Copa do Mundo de 1998

Nas Eliminatórias, a Jamaica enfrentou um grupo complicado no hexagonal final, com México, Estados Unidos, Costa Rica, El Salvador e Canadá. O objetivo de René era terminar em terceiro lugar.

Na quarta rodada, a equipe era a lanterna, com apenas dois pontos. Para mudar o cenário, o técnico viajou à Inglaterra e convocou três jogadores com raízes jamaicanas: Fitzroy Simpson, Deon Burton e Paul Hall, que elevaram o nível profissional da seleção.

Deu certo. Os Reggae Boyz venceram três partidas seguidas e arrancaram empates importantes contra Estados Unidos, El Salvador e México para garantir vaga na Copa do Mundo de 1998.

“Foi uma felicidade danada. Foi uma ligação muito sentimental entre eu, minha família e a Jamaica. Foi muito legal”, garantiu o treinador.

Na França, a eliminação veio ainda na fase de grupos, mas a história estava feita. Após derrotas para Croácia e Argentina, a Jamaica venceu o Japão por 2 a 1, conquistando seus primeiros pontos em Mundiais, e o sentimento de que o impossível havia sido alcançado.

Quem são os destaques da Jamaica?

Apesar de ainda conviver com problemas estruturais e falta de investimento, o cenário é totalmente diferente do passado. Com uma geração recheada de jogadores que atuam em grandes ligas, os Reggae Boyz voltam a sonhar em estar no maior palco do futebol mundial.

Entre os principais nomes, estão o experiente goleiro Andre Blake (Philadelphia Union) e o zagueiro Ian Fray (Inter Miami), que representam a Major League Soccer; a dupla do Brentford, o zagueiro Ethan Pinnock e o lateral-esquerdo Rico Henry; e o ponta-esquerda Demarai Gray, do Birmingham.

Principal estrela do país, Leon Bailey vive situação de imbróglio com a federação local e não é convocado há quase cinco meses. Outro conhecido é o atacante Michail Antonio, que retorna aos poucos ao futebol após sofrer um grave acidente no início deste ano.

“Estive lá (na Jamaica) lançando meu livro e disse aos jogadores que eles têm a obrigação de se classificar. São 15 atletas que atuam fora do país, em ligas fortes como as da Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos”.

“O time é muito bom e já deveria estar classificado. A derrota para Curaçao foi uma surpresa enorme para mim, ainda mais diante de uma seleção com 176 mil habitantes. Mesmo assim, acredito que a Jamaica vai passar bem”, afirmou.

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Lucas Dantas

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