Com mais de três décadas dedicadas ao esporte, o fisioterapeuta Nilton Petrone, o Filé, é o convidado da semana no Basticast. Na conversa com Lucas Lustoza e João Pedro Ventura, o profissional revelou bastidores de sua relação com Ronaldo Fenômeno.
“Ali foi um sofrimento atroz, foram 360 e poucos dias onde as incertezas eram imensas. Do maior jogador do mundo na época, do jogador mais caro do planeta, do terceiro rosto mais conhecido do planeta – ele só perdia para o João Paulo II e para o Bush -, tanto que quando eu cheguei no Kosovo, quando o Ronaldo recebe o título de Embaixador da ONU, a gente desce e tinha um menino com a camisa do Brasil. Ele conseguiu parar uma guerra!
Não tinha absolutamente nada que dissesse que ele ia voltar a jogar, não tinha esperança. Após a cirurgia, o médico falou que tinha dado tudo certo, e que jogar futebol talvez, mas jogar o que jogava antes, nunca mais. Na hora que ele fala isso, o presidente da Inter e o diretor executivo viram a cabeça para mim: ‘resolve isso aí’”, relembrou Filé sobre a grave lesão no joelho que o craque teve.
“Nós fomos para lá (Clínica do Steadman, em Vail, no Colorado) por uma pressão que foi exercida, porque eles achavam que a recuperação estava indo lenta, e tinha que ser lenta mesmo, porque ali a gente não podia errar. E não se tinha protocolo com evidência forte de retorno de um atleta de alto nível com aquele tipo de lesão. A patela dele explodiu! O osso, antigamente chamado de rótula, foi parar no meio da coxa, na final da Copa Itália.
Discussão com médico
Chegamos lá e foi pedida uma ressonância e eu falei: ‘por quê?’ Ronaldo pagou e fez a ressonância, e eu já sabia qual era a pretensão do médico. Ele falou que teria que abrir o joelho de novo. Aí eu disse que não. Tivemos uma discussão, ele disse que eu era fisioterapeuta, não era médico.
Acabou ele dizendo que tudo bem, que se o Ronaldo quisesse fazia fisioterapia na clínica, e aí ele me proibiu de entrar. E eu estava vendo que estavam fazendo errado, o cara queimou o joelho do Ronaldo! Quando a gente voltou para o hotel, eu falei que estava indo embora, e que se ele ficasse lá, não iria recuperar. E aí ele decide voltar comigo para Paris. E o Dr. Saillant recomendou uma clínica em Capbreton, sudoeste da França, onde eu teria liberdade de atuação, e chegando lá fechamos um programa de tratamento”, relembrou.
“Eu tinha que ficar em um ambiente onde ninguém ia ficar ‘piruando’, desligado do mundo externo e voltado exclusivamente para a recuperação dele. Em 55 dias eu disse: ‘agora, acabou’. Dentro do hotel só estavam eu e ele. À tarde, quando voltávamos da clínica, falei para ele andar, aí ele não quis. Então vai jogar golfe. Foi ali que ele pegou o gosto para jogar golfe.
Ele começou a entender a dinâmica que não podia ficar parado, precisava aumentar o tempo da fisioterapia para tirar a mente dele de pensar no externo. Quando voltamos a Paris, falei para o Dr. Saillant que precisava levar o Ronaldo para o Brasil porque estava quente. Aí o Ronaldo já estava na fase de transição, caminhando para o trabalho de preparação física.
Depois voltamos para a Itália para que ele pudesse fazer a pré-temporada e começar o ano dele perfeitamente. Eu só tive certeza de que ele estava recuperado no jogo contra o Brescia, o jogo em que ele marcou o gol”, comentou Filé.
Ronaldo na Copa do Mundo de 2002
Especificamente sobre o grande momento da carreira do camisa 9, na Copa do Mundo de 2002, o preparador físico revelou que Ronaldo chegou totalmente pronto para a disputa do Mundial.
“Quando ele chega à Seleção, ele chega no patamar da subida física dele e começa a pegar ritmo de jogo. Ninguém consegue dar um ritmo de jogo a um jogador para jogar uma Copa em 25 dias. É uma demência alguém chegar em um podcast e falar: ‘a seleção brasileira preparou Ronaldo para chegar daquele jeito que chegou.’ Isso é uma mentira!
O Ronaldo já estava preparado, o que a Seleção fez foi ajustar aresta, arrumar a casa para o jogo do Ronaldo. Quem fez o Ronaldo jogar novamente foi a Inter de Milão”, comentou Filé.
Daniela Cicarelli
A relação da dupla acabou pouco tempo depois. Segundo o preparador físico, um dos pontos para a ruptura foi o relacionamento do craque com Daniela Cicarelli.
“Quando ele foi para o Real Madrid, eu já não estava mais com ele. Voltei para o Brasil, ele foi caminhando até 2003 para 2004, aí em 2004 cada um foi para um lado. Eu tenho remédio, não quer tomar, eu acho que não faço mais parte. As pessoas veem o dinheiro, eu vejo a responsabilidade, a ética, o compromisso.
Se eu vejo que isso não acontece, prefiro não estar presente. Até um determinado momento existia um pacto de comprometimento. A nossa relação ficou mexida quando ele foi casar com a Cicarelli. Por algum motivo, eu tenho o direito de não concordar com algumas coisas, e eu não concordei, e aí ele ficou muito chateado com isso.
Se eu sou seu amigo e você me considera seu amigo, eu quero ter o direito de dizer um pouco daquilo que eu penso, do que pode ser bom para você. Já não era mais profissão, profissional e só, era muito mais. No meio de uma cirurgia para outra, um dos meus filhos morreu no Rio. Então, a dor dele se casava com a minha dor, era intransponível a relação. Por causa dele eu consegui sobreviver emocionalmente para passar essa fase, e por causa de mim ele também pôde passar a fase dura dele”, disse.
Filé no Basticast!
Com mais de 30 anos dedicados ao esporte, o fisioterapeuta Nilton Petrone é o convidado do Basticast desta semana. Filé, apelido dado por Romário pelos 49kg que pesava na época, coleciona histórias que atravessam gerações do futebol brasileiro e foram contadas para Lucas Lustoza e João Pedro Ventura.
No episódio, Filé relembra bastidores de momentos marcantes, como a briga entre Evaristo de Macedo e Romário no Flamengo, todo o clima que culminou na vitória do Fluminense na Libertadores, os desafios vividos na seleção brasileira, incluindo a briga com Lídio Toledo que não queria levar o Baixinho para a Copa.

